Com o risco a aumentar na Europa Central e Oriental, os investidores viraram o foco para a dívida soberana africana em dólares, toda ela classificada como lixo, mas, ainda assim, a mais rentável face a taxas de juro mais elevadas. África será dos continentes mais afectados pelo cenário de crise energética e alimentar, adverte o FMI.

Além de pressões inflacionárias sobre os preços dos alimentos e dos combustíveis, a guerra na Ucrânia vai agravar as posições fiscais dos países de África Subsariana e perturbar os fluxos de capital, pondo em risco o acesso a financiamento externo, como adverte o FMI, mas, por outro lado, revigorou o apetite dos credores internacionais pelas obrigações em dólares das economias africanas.

Com o risco a aumentar na Europa Central e Oriental, os investidores viraram o foco para a dívida soberana africana em dólares, toda ela classificada como lixo, mas, ainda assim, a mais rentável para os investidores devido às taxas de juro mais elevadas.

“Das nove nações em desenvolvimento que viram a sua dívida ganhar no meio do clima de risco, quatro são países em África que estão isolados do conflito, tanto geograficamente como pelo facto de exportarem algumas das commodities que surgiram em resultado disso”, escreve a Bloomberg, apontando o caso de África do Sul que está no topo do interesse dos investidores, apesar de a sua dívida soberana estar classificada três graus abaixo de investimento pela S&P Global. Angola, Gabão e Nigéria, que beneficiam de preços de petróleo mais elevados, são outros dos mutuários que podem ganhar com idas ao mercado das obrigações em dólares, que este ano teve o “pior início desde pelo menos 1995”, refere a Bloomberg

Mas África, que “está a recuperar de uma crise sem precedentes”, após a pandemia da Covid- -19, tem de abordar as “vulnerabilidades da dívida” com cautela e “estabelecer objectivos fiscais claros e prudentes a médio prazo”, afirma a directora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, numa declaração conjunta, co-assinada por Jutta Urpilainen, comissária Europeia para as Parcerias Internacionais, a propósito do décimo Fórum Fiscal Africano, que decorreu de 10 a 12 de Março, em formato digital.

As duas responsáveis realçam a necessidade de eficiência nas despesas governamentais, quando se aproximam duas crises em simultâneo: uma energética e outra alimentar. Esta quarta-feira, a Agência Internacional de Energia (AIE) alertou para o risco de ocorrência da “maior crise de abastecimento” de petróleo em décadas, devido à possibilidade de uma parte significativa da produção russa desaparecer do mercado sem ser compensada pelo aumento da produção pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

Países como a Nigéria, Moçambique, Senegal e Tanzânia poderão vir a beneficiar da redução das importações europeias de gás russo, como refere a Fitch Solutions, numa análise às implicações do conflito, ou a Brookings Institution, think tank sediado em Washington. Mas a curto prazo o impacto será negativo e colocará “desafios às famílias africanas, ao sector agrícola e à segurança alimentar”, como adverte à France Press Danielle Resnick, investigadora da Brookings Institution.

O risco de uma crise alimentar grave em África cresce à medida que a guerra avança e provoca interrupções na cadeia de fornecimento de cereais da Rússia e da Ucrânia, dois dos principais fornecedores globais de trigo. O aumento dos preços atinge também os fertilizantes, que subiram 30% desde o início da invasão russa, ameaçando as culturas africanas e contribuindo para novas escaladas nos custos dos alimentos, o que levou no domingo a directora do FMI a afirmar que a guerra na Ucrânia “significa fome em África”.

A Rússia e a Bielorrússia são os maiores exportadores de fertilizantes minerais do mundo, produto que ficou de fora das sanções do Ocidente a Moscovo. Perturbações na cadeia de fornecimento de fertilizantes comprometem a produção mundial de alimentos, facto que atingiria os maiores produtores mundiais, entre os quais se incluem o Brasil, China e EUA.

Mas a 10 de Março, o ministro da Indústria russo, Denis Manturov, anunciou a suspensão temporária das exportações de fertilizantes, após o Presidente Vladimir Putin admitir que as sanções “ilegítimas” à Rússia criaram “alguns problemas” ao país.